Em Vivemos mais! Vivemos bem?,
os filósofos
Mario Sergio Cortella e Terezinha Azerêdo Rios
enfatizam que é
preciso ter mais vida...
e não apenas uma sobrevida
A mídia repetidamente anuncia o
fato de que a população do Brasil está envelhecendo e, ato contínuo, noticia
que é preciso melhorar a qualidade de vida dos idosos. Em Vivemos mais! Vivemos bem? Por
uma vida plena (Papirus 7 Mares, 112 pp., R$ 39,90), os filósofos Mario
Sergio Cortella e Terezinha Azerêdo Rios trazem o dilema à luz. Em uma troca de
ideias riquíssima e entremeada por inúmeras e saborosas referências (de poetas
e escritores a pesquisadores, etimologias e seriados televisivos), a dupla faz
mais do que citar números ou propostas mirabolantes: Cortella e Terezinha dão
elementos para uma profunda reflexão sobre o tema, possibilitando a cada um de
nós enxergar que a solução começa – e termina – em nossa própria postura perante
a vida.
Em um diálogo distribuído em dez
capítulos, eles discorrem sobre o assunto deixando claro que, como em uma sábia
anedota popular citada por ambos, mais importante que o comprimento da vida é
sua “largueza”. “Claro que queremos viver mais tempo, mas isso de nada vale se
não pudermos aproveitar de verdade esse tempo, experimentá-lo em sua riqueza”,
ressalta Terezinha. “Quero mais vida, mas não quero qualquer vida”, complementa Cortella.
Entre os diversos temas
relevantes destacados pela dupla está a necessidade de ter coragem e
autocrítica diante da vida e do envelhecimento. A professora Terezinha Rios ressalta
que quando se fala em coragem está se falando do oposto à covardia, e não de
medo em si, já que este último, na opinião dela, é até saudável, pois se não
houvesse medo, não haveria reflexão antes da ação.
Mario Sergio Cortella completa o
pensamento: “Medo é estado de alerta, pânico é a incapacidade de reação”. E
pontua, referindo-se ao “comodismo” de não reagir: “O principal pecado capital,
portanto, é o da covardia, do pânico em relação ao que deve ser feito, ao que
se precisa enfrentar, ao que se precisa viver. Isso envelhece bastante. A
preguiça envelhece”.
Em relação à autocrítica, os
autores destacam que é necessário refletir sobre o tipo de vida que vale a pena
viver e o tipo de vida que não vale a pena. “A ideia de vida longa implica
viver mais e viver bem. Mas, no meu
entender, viver bem não é só chegar a uma idade mais avançada com qualidade
material de vida. É também adquirir a capacidade de olhar a trajetória. Porque
a vida não é só o agora, é o percurso. Ela é a soma de todos os momentos numa extensão
de tempo”, afirma Cortella.
É a falta de crítica, destaca,
que leva a pessoa a viver uma vida superficial, epidérmica. “O que queremos
todos, aquilo que vale a pena, é vida longa e boa. Porque só vida longa pode
ser uma experiência de agonia inútil”, diz.
“Viver em paz não é viver sem problemas, sem dificuldades, sem encrenca.
É viver com a convicção de que não se está sendo banal, superficial, fútil, inútil.”
Diferentemente do que muita gente
afirma, os autores defendem que o esquecimento, muitas vezes comum aos idosos,
pode ser positivo, desde que não seja imposto por uma doença. Afinal, dizem em
uma metáfora de simples compreensão, é preciso esvaziar as gavetas do que não se
usa, de modo que guardar conhecimento inútil não traz nenhuma vantagem. Por
outro lado, destacam, o isolamento – imposto por si mesmo ou pela sociedade – é
algo terrível para o idoso.
“E não é inusual que pessoas com
essa idade mais avançada, quando isoladas, digam: ‘Não quero mais viver’. E aí
começam a usar uma frase muito comum que é ‘não sei se vou estar aqui ano que
vem’, em vez de ‘vou estar aqui o ano que vem’ ou ‘se estiver aqui, vou fazer
isto, aquilo’ etc. Em outras palavras, surge um desejo de morte, uma pulsão tanática
que elimina a pulsão erótica que a convivência traz”, diz Cortella.
Na opinião dele, essa pulsão é
justamente o que não se deve perder para viver melhor, ou seja, o desejo tem de
estar presente. “Vemos pessoas com bastante idade que conservam o desejo da
sexualidade – não necessariamente o desejo do sexo, porque sexo não é desejo, é
necessidade –, que mantêm a vitalidade erótica em relação à família, à comida,
à Igreja, mas também em relação ao prazer. Elas têm prazer de participar de um
canto, prazer de estarem vivas. A presença do desejo supera a satisfação da
necessidade”, comenta.
Outro aspecto abordado é a
diferença do tempo entre as pessoas. “O tempo do garoto de 20 anos hoje é
diferente do meu tempo de mulher de mais de 60 anos. A questão não é o tempo, propriamente,
mas a experiência que nele se vive, que é múltipla e diversa”, observa
Terezinha.
Durante o bate-papo impresso no
livro, os autores abordam até mesmo a forma de se referir às pessoas de mais
idade, rejeitando eufemismos como “melhor idade” e “terceira idade”. “Prefiro
trabalhar a ideia de idoso, porque idoso é aquele que tem mais idade. É
diferente de velho. É possível ser velho aos 15 anos. É possível encontrar uma
pessoa que já envelheceu nas ideias, nas práticas, na percepção, que não tem
autocrítica, que é alienada. Tenha, então, a idade que tiver, é velha.
Eufemismos como ‘melhor idade’, entre outros, também foram sendo construídos
pelo mercado”, salienta Cortella.
Por sinal, ele revela ter um
hábito curioso para checar na própria família o desejo necessário para viver
bem. “Até hoje vivo perguntando aos idosos da família, que estão com mais de 80
anos: ‘Quais são seus planos para o futuro?’. Essa é minha medida. Uma das
coisas que me acalmam é quando minha mãe diz, aos 84 anos, que vai viajar para
tal lugar, vai fazer curso disso ou daquilo; ou quando meu sogro, aos 83 anos,
diz que vai visitar parentes em Mato Grosso do Sul, passar uma semana lá. Qual
é a frase que não quero ouvir, porque nesse dia ficarei preocupado: ‘Não sei, Deus
é que sabe...’. Nessa hora, já não estarão mais idosos; terão envelhecido.
Quando a pessoa perde a perspectiva de futuro, isto é, quando ela acha que vai
durar menos que o prazo de validade da salsicha, esse é um sinal de que sua
vida não tem mais sentido.”
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