Porque, como mostram Cássia D´Aquino e Maria
Tereza Maldonado em Educar para o
consumo, atender a todos os desejos do filho pode transformá-lo em um
consumista eternamente insatisfeito
Cada vez
mais cedo os filhos pedem para os pais comprarem coisas. Qualquer coisa. E boa
parte dos pais atende a todos os desejos de crianças e adolescentes,
tornando-os extremamente consumistas e podendo, dessa maneira, prejudicar o futuro
deles. Essa realidade é demonstrada – e combatida – pelas autoras Cássia
D´Aquino e Maria Tereza Maldonado em Educar para o consumo:
Como lidar com os desejos de crianças e adolescentes (Papirus 7 Mares, 112
pp., R$ 37,50).
“Os pais não estão discernindo entre os
desejos e as necessidades de seus filhos e, com isso, estão gerando crianças e
adolescentes extremamente consumistas. Isso leva a
uma confusão entre ter e ser – a criança cresce achando que ter
algo é mais importante do que ser, ela se define pelo que usa e perde a
oportunidade de desenvolver a riqueza interna”, diz a psicoterapeuta Maria
Tereza.
Além
disso, acrescenta que o consumismo exacerbado leva a criança a não saber
diferenciar o que deseja do que realmente precisa e a não conseguir estabelecer
prioridades na vida. “E isso cria uma sucessão de desejos que leva a um consumo
desenfreado, mas não resulta em satisfação: nunca esse buraco é preenchido,
pois a satisfação vem pelo desenvolvimento como pessoa e não pelo que se
possui”, diz.
Cássia D´Aquino,
especialista em educação financeira, destaca que o fenômeno
consumista entre as crianças brasileiras começa cada vez mais cedo. “Até pouco
tempo atrás, a idade média em que uma criança pedia para que o pai comprasse
algo era dois anos e oito meses. Hoje já é dois anos e três meses e isso vai
cair ainda mais, rapidamente. Os modelos de família que temos hoje priorizam o
consumo. Nos finais de semana os pais levam as crianças ao shopping para comprar, em vez de passear, brincar, passar o tempo
com os filhos”, pontua.
O livro, resultado de
uma conversa promovida pela editora entre as autoras, traz inúmeros relatos
sobre o problema. Há, inclusive, crianças que se definem como “vítimas das
vitrinas” e pais que compram smartphones
para meninos e meninas que nem chegaram a um metro e trinta. As autoras mostram
a influência perniciosa da publicidade, mas ressaltam que, por mais que ela
exista, o comportamento consumista deriva da família e de genitores que não
sabem dizer “não” e constantemente cedem a uma das frases mais ouvidas em casa:
“Meu amigo tem, então eu também quero”.
Maria Tereza e Cássia mostram as razões dessa
ampla concessão, entre elas o medo (ingênuo) dos
pais de não serem amados e gerarem grandes frustrações nos filhos se não
cederem à comodidade de evitar uma discussão durante o tempo cada vez mais
escasso que passam com as crianças.
“A ideia
de trauma, por exemplo, de que não se pode frustrar a criança, é a contramão de
tudo o que há na psicanálise, que fala exatamente de ordenar, de disciplinar o
desejo. Quando uma mãe fala sobre esse medo, pergunto se ela se lembra de algo
que pediu aos próprios pais e eles negaram. Ela diz que sim e eu pergunto: você
superou? Continuou a amar seus pais mesmo assim? É claro que sim! Sempre haverá
gente que tem o que a gente não tem. É do ser humano invejar, mas cabe aos pais
perceberem o que o filho pede porque apenas mimetiza o ambiente e aquilo de que
ele realmente precisa. Não vejo razão para crianças de cinco ou seis anos terem
um smartphone e isso acontece muito”,
diz Cássia.
Maria
Tereza destaca que muitas vezes os pais acatam os desejos consumistas dos
filhos simplesmente por comodidade. “Acham que é mais fácil dar logo o que é
pedido do que colocar limites. Mas é um pensamento limitado. É mais prático a
curto prazo dar o brinquedo do que dizer não
para a criança que está abrindo um berreiro no meio da loja, mas essa é uma
visão de curto alcance. A médio e a longo prazo se cria um ser que cresce
achando que o mundo lhe deve; que, por ser filho, o mundo deve lhe dar o que
deseja. Ele não consegue regular o desejo nem discernir o que realmente quer”,
alerta.
Nas 112
páginas do livro, o leitor se depara com um material riquíssimo e um alerta
contundente. Mas encontra também um alento: existe uma saída para o dilema das
crianças consumistas e ela está na readequação de valores da família.
“A
família tem de se dar conta que é possível e importante decidir que tipo de
futuro quer para os filhos. É preciso ser responsável pelo futuro dessa criaturinha
na medida das nossas possibilidades, pensar em como os filhos serão dali a 25
anos se forem criados daquela forma. O capitalismo é cruel em quase todo o
mundo, a publicidade é avassaladora, mas por que há famílias que conseguem
fazer de uma maneira e outras não? Porque não seguem o modelo consumista:
nenhuma influência externa é páreo ao exemplo que os pais dão aos filhos”,
conclui Cássia.
“Consuma
sem consumir o mundo em que você vive. É preciso ter
consciência de que o consumismo exacerbado não é o melhor modelo para a vida.
Só com essa consciência e determinação surgirão pequenas e grandes ações para
mudar esse cenário”, finaliza Maria Tereza.
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Sobre as autoras:
Cássia D'Aquino –
Educadora com especialização em crianças, pós-graduada em Ciências Políticas, é
autora de artigos e livros sobre educação financeira. Criadora e coordenadora
do Programa de Educação Financeira em várias escolas do Brasil, é membro da
International Association for Citizenship, Social and Economics Education (IACSEE). Atua como palestrante em
congressos no Brasil e exterior. É a representante brasileira do Global
Financial Education Program, iniciativa voltada para o desenvolvimento da
educação financeira da população de baixa renda em todo o mundo. É ainda
assessora de diversas instituições públicas e privadas para criação e
desenvolvimento de programas de largo alcance. Entre outras, podem ser
destacadas suas participações em projetos do Banco Central do Brasil, Banco
Nacional de Angola, BM&F Bovespa, Febraban, Serasa Experian e United States
Agency for International Development (Usaid).
Maria Tereza Maldonado –
Mestre em Psicologia Clínica pela PUC-Rio, foi professora da PUC-Rio e da
Universidade Santa Úrsula. Atua em projetos sociais de algumas ONGs, e, como
consultora e psicoterapeuta, trabalha com pessoas de todas as idades. É autora
de vários livros e artigos especialmente na área de educação, e faz palestras
em todo o Brasil.
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