quarta-feira, 6 de abril de 2011

Ética para meus pais


É melhor cometer um erro infantil ou um erro adulto?
Ética para meus pais

A bordo de seu potente 4.4 turbo alto e preto, Giovane usa o acostamento a torto e a direito para chegar mais rápido no shopping, onde a esposa, os filhos e ele assistirão a um filme no cinema. Como repara Tomás, o filho pequeno, não há obstáculos que detenham a ânsia do pai em chegar logo no cinema e mostrar toda a potência do veículo apelidado de “Paris-Dakar”. Mas, já na fila para ver o filme, o pai não admite que um senhor de idade passe em sua frente para comprar o ingresso e dispara, com desdém: “Que falta de ética!”.

Mas que ética é essa que Giovane ensina para o filho? Ou melhor: qual é o conceito de ética que os adultos exemplificam para as crianças com suas ações cotidianas? A resposta é dada de maneira altamente esclarecedora - e bem-humorada - pelo educador e filósofo Yves de La Taille em Ética para meus pais, que chega às livrarias pela Papirus Editora.

“O livro é narrado por Tomás, um menino de classe média alta, com acesso à tecnologia e muitas histórias para contar. Através do ponto de vista infantil e transparente do garoto, o leitor se dá conta de pequenas lições, histórias com começo, meio e fim. São flashes, temas do cotidiano da época em que vivemos”, explica Yves de La Taille. As lições definidas como “pequenas” por de La Taille são, na verdade, bastante contundentes ao mostrar a distância imposta por muitos de nós, adultos, entre o discurso do que é certo fazer e o que realmente fazemos, muitas vezes sem nem perceber.

A ideia da obra, conta o autor, surgiu após a leitura de Ética para meu filho, do filósofo espanhol Fernando Savater. “Imediatamente após concluir o livro, me perguntei: estamos minimamente à altura de falar de ética, ou seja, de falar da vida para nossos filhos? Dessa indagação surgiu uma ideia: escrever um livro 'recíproco', que mostrasse como as ações dos adultos são percebidas pelas crianças, dentro do contexto do que é ético.”

De acordo com o autor, não só os pais mas todos os que lidam com crianças, inclusive educadores, podem se beneficiar das preleções involuntárias do pequeno Tomás. “O conceito que uso de moral, que é o mais ‘filosoficamente’ reconhecido, é o de costumes. Não apenas a ideia de certo e errado, mas a ideia de atitudes com relação à vida que podem ser boas, ruins ou meio tontas, ou sofisticadas, ou pobres. Ética é um conceito bem amplo, que engloba a questão moral, mas vai além dela. Não é um compêndio de certo e errado, é sobre viver bem a vida”, aponta.

As temáticas contidas nas histórias são diversas: somos convidados a dar “olés” no trânsito com o pai de Tomás, a participar da festa de aniversário de arromba (para os outros) do garoto, da comemoração do dia das mães, a conhecer a mais nova namorada de seu avô, entre outras situações da vida cotidiana. Tudo isso pontuado, é claro, por observações das mais peculiares – e deliciosas - do jovem narrador sobre a gente grande, como estas:

“Quando pensam que alguém errou feio, reparei que eles dizem que foi um erro infantil. Então, para eles, criança erra o tempo todo. Não é justo.”
“- A gente ouve muito falar em ética – comentou Marta. – O que é, de verdade?
- É o que falta – eu expliquei.”

“Tenho preferência por algumas histórias , até pelo tema. Gosto muito das histórias ‘Eu sou turista’ e ‘Meu aniversário’, que é cômica, mas tem um final com algo triste. Mas dizer qual é a mais interessante fica por conta do leitor”, comenta de La Taille.

E o leitor não deve se enganar: mesmo o narrador não sendo uma pessoa mais velha, a proposta do livro não é despertar a criança dentro de si, e sim acordar o adulto para que ele aprenda com os pequenos mais sobre seu relacionamento com os outros e consigo mesmo. Enfim, para que o adulto aprenda a praticar a ética e não apenas a discursar sobre ela.

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